sábado, 26 de janeiro de 2013

A VIAGEM


Dirigido pelos irmãos Wachowski (Matrix, V de Vingança) e Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra, Perfume: A História de um Assassino), A Viagem (Cloud Atlas) conta seis histórias simultâneas que ocorrem em épocas distintas. Nelas é possível evidenciar semelhanças no enredo, além de personagens ali inseridos conectados de certo modo, mesmo estando em  tempos diferentes.

O filme tem um início que demora para engrenar, jogando peças de um quebra-cabeça confuso, numa colcha de retalhos sem fim. Mesmo após sedimentar cada trama separadamente, o filme não deixa claro seu objetivo: cada história segue independente, apenas mantendo algumas fisionomias recorrentes. Seriam eles antepassados uns dos outros? 

Posteriormente, a mensagem fica clara: todas são histórias sobre a luta pela liberdade. A montagem excepcional traz liga à obra, que é recheada de raccords criativos. Mesmo assim o filme peca por ser muito longo e pela maquiagem muitas vezes artificial. Ter um elenco cheio de estrelas - e reaproveita-lo nas mais diversas tramas - não foi o suficiente para tornar o filme menos cansativo.

Em conjunto, as histórias se complementam, evoluindo para uma mensagem cheia de significado. A união é essencial, principalmente quando se quer lutar por algo tão precioso quanto nossa liberdade. Como diria Raul Seixas: "Sonho que se sonha só é só sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade."

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

AMOUR

Um apartamento vazio. Uma porta lacrada. Um cheiro forte e mórbido no ar. O mistério não demora muito: um bombeiro arromba a porta e se depara com uma idosa na cama, morta, com delicadas flores ornamentando seu leito. Assim começa "Amour" (2012), a obra mais recente do diretor Michael Haneke (Violência Gratuita, Caché), mostrando sem pudor todas as sutilezas desse sentimento.

O filme trata da comovente história de um casal de idosos, Anne (Emmanuelle Riva) e Georges (Jean-Louis Trintignant), que passa por grandes dificuldades quando Anne desenvolve um acidente vascular cerebral. Evoluindo com paralisia de seu lado direito, seu  esposo torna-se seu porto seguro e juntos trilham o que poderia ser considerado o último "capítulo" de suas vidas.

Como na vida real, o filme não possui trilha sonora: o silêncio impera no começo e no final da película. Contudo, durante o desenvolvimento, somos brindados a todo momento com música, já que, apesar de não explícito, a protagonista era professora de piano. No início e com a consciência plena - mas com a limitação dos movimentos - Anne se apega às lembranças e às melodias, muitas vezes ensaiando movimentos descoordenados nos dedos enquanto está deitada ouvindo a música pelos corredores do apartamento. Quando sua situação agrava e ela perde a coordenação da fala, é a cantiga de seu esposo que torna seu fardo um pouco mais suportável... Muitas vezes, restam-lhe a penosa "dança" rotineira, que inclui a fisioterapia, muitas vezes auxiliado pelo seu parceiro Georges.

O cineastra consegue, através de um pesadelo, mostrar como foi impactante para Georges o primeiro episódio, em que Anne fica catatônica na cozinha, prelúdio de sua futura condição. Ele deixa a torneira aberta enquanto vai se aprontar em busca de ajuda, mas antes ela acorda de seu "transe", fechando a pia. Posteriormente, no pesadelo, ele escuta a campainha e segue até o corredor de seu prédio procurando quem tocou. Lá encontra o piso repleto de água e é surpreendido com uma mão direita - que curiosamente corresponde ao lado paralisado de sua esposa - que o sufoca. A água corrente da torneira volta a aparecer no final do filme, dessa vez marcando a conclusão da saga desse casal.

Michael Haneke, com sua direção muito peculiar, quase poética, leva seu filme com seus típicos plano longos, diversos deles estáticos, causando esporadicamente um desconforto proposital ao telespectador. Ele nos faz morador daquele apartamento, chegando ao ponto de conhecermos todos os cômodos, até mesmos todos os quadros da residência! O elenco foi outro acerto: Jean-Louis Trintignant está fantástico, mas Emmanuelle Riva rouba a cena, numa atuação impressionante da enferma em gradativa deterioração.

Apesar de ser uma história triste, ela edifica o conceito do amor, mostrando como o compromisso e o respeito são elementos fundamentais num relacionamento. E isso independente da idade.

sábado, 12 de janeiro de 2013

ARGO

"O filme era uma farsa. A missão era real."
Lançado em 2012 e dirigido por Ben Affleck, Argo é uma história baseada em fatos reais. Conhecemos muito bem a história do nosso mundo ocidental, porém, quando tratamos do passado de nossos vizinhos orientais, ficamos perdidos.

No final da Segunda Guerra Mundial, o povo do Irã elegeu com grande entusiasmo Mohammad Mossadeq como seu primeiro-ministro. Em contrapartida, o "xá" do país continuava sendo Mohammad Reza Pahlavi, favorável aos ícones imperialistas da época (Reino Unido, URSS e EUA).

A postura nacionalista de Mossadeq levou à extinção da Anglo-American Oil Company (Companhia de Óleo Anglo-Americana), devolvendo o petróleo aos iranianos. Obviamente, não agradou nem um pouco os EUA, que providenciaram um golpe de estado, derrubando-o do poder. Reza Pahlavi foi se tornando gradativamente um ditador, esbanjando riqueza, enquanto o povo sofria.

Aiatolá Khomeini
Em 1979 ocorreu a REVOLUÇÃO ISLÂMICA: o xá Pahlavi foi derrubado e foi proclamado a "República do Irã", com Aiatolá Khomeini como líder supremo religioso e Bani-Sadr como presidente. O Reza Pahlavi foi exilado nos EUA enquanto se tratava de um câncer, o que levou milhares de iranianos às ruas, protestando pelo seu retorno e julgamento. Tudo isso desencadeou a famosa invasão da embaixada americana em Teerã.

Persépolis
Interessante que a introdução do filme é narrada mostrando, através de ilustrações que remetem a um story-board, esse conturbado contexto histórico. Sacada genial, já que um story-board sempre é apresentado antes do início de qualquer filmagem. Numa feliz coincidência, enquanto via esse filme, minha esposa lia uma fabulosa história em quadrinhos chamada "Persépolis", de Marjane Satrapi. A autora é iraniana e seu trabalho retrata os fatos desse período, pelos olhos inocentes de uma criança. Essa HQ, por si só, merece uma resenha!

Ben Affleck mais uma vez se mostra à vontade como diretor. O problema é que insiste em atuar nos seus próprios filmes. Como protagonista, ele faz o papel de um agente da CIA chamado Tony Mendez, encarregado de trazer de volta para os EUA os seis funcionários da embaixada americana que escaparam durante a invasão supracitada, enquanto outros 55 ficaram como reféns. A vida pessoal do agente é mostrada de maneira bem superficial: casado, mas vive sozinho, longe da esposa e do filho - fato que não é explicado no filme. E é numa conversa telefônica com seu filho, enquanto assistiam "A Batalha no Planeta dos Macacos" na TV, que surge a grande e insana epifania de como ele executará a tal missão.

A atuação "zen" de Ben Affleck não chega a prejudicar o filme, já que o papel exigia um indivíduo centrado, determinado em concluir um trabalho que não dependia só dele, mas de outros seis acuados em território inimigo. Em contrapartida, os seis atores que fazem parte da equipe da embaixada se destacam não só pela exímia atuação que transparece um estresse sem medida, mas pelo figurino e maquiagem impecável. A direção de arte chama atenção: durante toda a película ficamos imersos na angustiante atmosfera iraniana da época.

Enquanto isso, as cenas em Los Angeles são mais leves e quase cômicas. Duas figuras de Hollywood, Lester Siegel (Alan Arkin), produtor, e John Chambers (John Goodman), especialista em maquiagem - inclusive responsável pela série de filmes "O Planeta dos Macacos" - são a dupla dinâmica que faz o plano de Tony Mendez engrenar.

A missão secreta de Tony Mendez é tão absurda que soa inverossímil, contudo os créditos finais traz ao espectador a lembrança de que tudo é mesmo uma obra baseada em fatos reais. E finalmente terminamos com aquele nó na garganta. Como a humanidade pode progredir com tanta ganância dos mais poderosos e tanta intolerância dos mais radicais? Concluo relembrando o comandante Taylor (Charlton Heston), citando mais uma vez "O Planeta dos Macacos", quando ele descobre que destruímos o nosso futuro...


"We finally really did it. You Maniacs! You blew it up! Ah, damn you! God damn you all to hell!"

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

HOLY MOTORS

Hermético. Intrigante. Holy Motors (2012) é tormenta confusa, inquietante como aquele quadro famoso, passível de inúmeras interpretações, mas com a verdade trancada com seu criador.

Holy Motors tem Leos Carax (Tokio!, Pola X) como diretor e roteirista. Não tenho a pretensão de conseguir explicar todos os meandros dessa obra (que possuem diversas referências ao cinema americano e europeu, incluindo da parte técnica cinematográfica). Nem de fazer papel de pseudo-intelectual, me vangloriando de ter absorvido o que Carax queria transmitir. Posso dizer que iniciei o filme como todo mundo, sentado em frente a uma tela, em silêncio, encarando hipnotizado espectadores como eu, silenciosos, adormecidos. Quase uma piada: provavelmente ele suspeitava que a maioria do nosso grande público seguiria para aquele destino após começar a ver seu filme "maluco".

O filme conta a história do monsieur Oscar (Denis Lavant) em um dia de trabalho. Seu peculiar ofício se baseia em circular pela cidade de Paris numa limousine e incorporar diversos personagens e em cada situação, uma realidade diferente.

O filme começa com o diretor Leos Carax quebrando - literalmente - a "quarta" parede e nos acompanhando dentro da sala de cinema pra ver sua película. Apenas um tranquilo som de mar e gaivotas paira pelos corredores escuros da sala, levando o curioso espectador em um fantástico raccord entre som e imagem, mostrando na tela uma mansão de arquitetura naval. É o começo de nossa viagem e a limousine de nosso protagonista parte.

Ah, então monsieur Oscar é um banqueiro? Não. 
Ator? Não exatamente.

Em seu trabalho, pulando de "compromisso" a outro, Oscar se passa por um banqueiro, uma velha mendiga, uma monstro libidinoso em CGI, o horrendo senhor Merde do filme "Tokyo!", além de outros. Como um camaleão, ele faz sua própria maquiagem em seu camarim móvel. No intervalo, almoça assistindo um pouco de TV, que passa nada mais que a prosaica vida real, as ruas de Paris.

Uma constante me chamou atenção no trabalho de Oscar: a solidão. A velha mendiga pedindo esmolas, tão invisível no meio da multidão. Sua atuação solitária com o fundo verde (chroma-key). Posteriormente interage com uma flexível coadjuvante, contudo a realidade é o virtual: duas criaturas dantescas numa tentativa inútil de acasalamento. O máximo de interação fica por conta do senhor Merde que após seu intempestuoso passeio pelo cemitério (com direito a lápides com inscrições do tipo "visite meu website"), captura a bela e apática modelo Kay M (Eva Mendes). Estaria ela simbolizando o belo sem conteúdo? Em seu cativeiro, a modelo aceita passivamente todas as alterações que Merde faz em seu vestuário - transformando-o em uma espécie de burca. Talvez, mais uma vez, Oscar estava sozinho...



Oscar chega a atuar com ele mesmo. Ele personifica o assassino Théo contratado para matar seu outro personagem, Alex. Mas algo sai errado e aparentemente o personagem que supostamente deveria morrer, se vinga e, assim, ambos personagens saem feridos (uma crise existencial?). Logo em seguida, Oscar encontra-se coincidentemente com ele mesmo no papel do rico banqueiro e, num mar de fúria, parte para matá-lo. Devaneios da minha parte, o banqueiro poderia bem estar representando os produtores e as grandes distribuidoras do mundo do cinema que frequentemente vêm o cinema não como arte, mas como dinheiro.

[Já vi em uma entrevista que Leos Carax considera seu filme uma ficção-cientifica - "mais ficção do que ciência" - e que sua obra não é sobre o cinema e sim sobre um futuro distópico, às avessas. Entretanto não posso deixar de tirar minhas próprias conclusões: o cinema é a sétima arte e a arte está aberta para discussão!]

O filme segue então para uma cena em que Oscar está em um novo ato, num leito de morte, e contracena com uma jovem, sua "sobrinha". Ela se despe e imediatamente está de luto. Seria Oscar a personificação do cinema clássico, artístico, e sua sobrinha o cinema atual? Sua crise seria reflexo disso tudo. O cinema-arte está com os dias contados, numa época em que as salas de Multiplex e iMAX só apresentam filmes exuberantes, recheados de efeitos especiais, grandes produções com pouco conteúdo. A cena termina e Oscar continua sua jornada, mas já apresenta sinais de fadiga, sem apetite e de tosse frequente, refletindo seu espírito atormentado.

E, por acaso do destino, antes de seu último compromisso, se depara com uma antiga conhecida, Eva Grace (Kylie Minogue). Seu traje e corte de cabelo remetem a filmes mais antigos e sua aparência lembra muito a da personagem Patricia Franchisi de Acossado, clássico de Jean-Luc Godard. (Patrícia Franchisi era a repórter americana que conquistou o coração do francês trambiqueiro Michel.)

Jean Seberg em Acossado e Kylie Minogue em Holy Motors


Eva Grace e Oscar trabalham no mesmo ramo e relembram com grande nostalgia o passado. Eva parece representar o clássico americano e Oscar o velho cinema europeu, ambos ameaçados pelo vazio cinema moderno. Um momento musical emocionante tenta resgatar a lembrança daquela época ilustre, momento esse que homenageia os musicais, grandes fenômenos do cinema americano. Mas o show deve continuar e ambos seguem com seus trabalhos.

É fim do dia e Oscar é deixado para seu último compromisso. Céline (Édith Scob), única confidente de Oscar e também sua motorista (sua diretora? agente?), segue para o estacionamento "Holy Motors" mas não sai do automóvel sem antes vestir sua máscara. Talvez por ser cúmplice de Oscar, representante daquilo que um dia foi revolucionário, a novelle vague, não seria fácil circular nesse ambiente tão melindroso do cinema contemporâneo. Além disso, é uma referência à "Os Olhos Sem Rosto" (1960), estrelado pela própria Scob.

P.S. Interpretação é que nem opinião, cada um tem a sua. Holy Motors é um filme complexo, mas ele instiga o espectador à busca de significados. Insisto em dizer que talvez falte-me bagagem para identificar todas as referências cinematográficas (que são várias). Contudo, muitas vezes sentir já é o suficiente.

P.S.2 O bate-papo das limousines no final foi quase uma mistura de "Toy Story" com "Carros" (ambos da Pixar). O trecho mostra que, além do cinema, até os automóveis se preocupam em se tornar obsoletos...

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

AS AVENTURAS DE PI

As Aventuras de Pi (Life of Pi) é uma adaptação do livro de Yann Martel, lançado em 2001. Lançado em dezembro de 2012, a direção ficou por conta de Ang Lee (O Tigre e O Dragão, O Segredo de Brokeback Mountain). O filme conta a história de Piscine Molitor Patel, conhecido como "Pi", um indiano que na sua juventude sobreviveu a um naufrágio em que perdeu toda sua família. No barco salva-vidas, tem que conviver com um tigre de bengala, principal atração do zoológico do pai.

Ang Lee sempre foi um diretor sensível e extremamente versátil. Ficou conhecido após ter dirigido "Razão e Sensibilidade" (1995), adaptação do livro de Jane Austen, mas adquiriu prestígio internacional com "O Tigre e o Dragão", um filme de aventura, mas com a poesia típica dos orientais. Não foi a toa que em 2001 este ganhou o oscar de melhor filme estrangeiro, melhor fotografia, melhor direção de arte e melhor trilha sonora. Concorreu ao oscar de melhor filme, mas perdeu para o épico "Gladiador". Para comprovar sua heterogeneidade cinematográfica, em sua filmografia incluem "Hulk" (2003) - que foi até criticado pelo excesso de abstração em um filme de super-herói - e uma comédia dramática "Aconteceu em Woodstock" (2009).

Nesse mesmo ano (2001) era lançado o livro "A Vida de Pi". Rejeitado por várias editoras a princípio, foi posteriormente aceito e publicado pela Knopf Canada, ganhando o prêmio Man Booker Prize for Ficction no ano seguinte. Foi acusado de plágio nessa época, já que o livro do brasileiro gaúcho Moacyr Scliar, Max e os Felinos, publicado em 1981, tinha uma premissa idêntica. Posteriormente Yann Martel admitiu que tirou da obra de Moacyr Scliar inspiração.


Com uma sensibilidade sem igual, Ang Lee nos deixa ilhados ao lado de Pi, numa aventura angustiante de sobrevivência. Estar sozinho num bote, à deriva, já é uma situação extrema, contudo conviver com o perigo imediato de ser devorado por um tigre torna tudo bem mais complicado. Não li o livro mas a experiencia visual de "As Aventuras de Pi" é indescritível. O 3D complementa uma direção de arte impecável, além da fotografia de tirar o fôlego. O jogo de câmeras nos mostra o quanto pequenos somos diante da natureza. Várias vezes as tomadas são vistas de cima, deixando Pi e o tigre tão pequeninos, mostrando como somos frágeis e ao mesmo tempo nos leva a crer que lá de cima - talvez - exista mesmo alguém superior sempre de olho, observando todas as provações de nosso protagonista.

A obra transcende uma história de um naufrago: discute sobre religião, a relação familiar e até mesmo sobre o bullying. O nome Piscine Molitor Patel vem de "piscina" em francês, porém a pronúncia em inglês fica "pissing", o que significa urina. Seu nome vira então chacota entre os colegas de colégio. Contudo, o protagonista consegue dar a volta por cima, tornando o tão pequeno apelido Pi algo tão grandioso quanto o valor matemático que a letra grega representa. Uma dizima periódica, infinita. A representação do círculo, a forma mais perfeita do universo.